Lições sobre automação: o que a silvicultura pode aprender com a agricultura?

Por Ronaldo Soares, Gerente Florestal da divisão de Agricultura da Hexagon

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20 outubro 2021

Quando falamos sobre automação na agricultura e na silvicultura, o que mais encontramos são diferenças. O contexto geral das duas produções é muito distante, afetando diretamente as necessidades e implicações tecnológicas de cada uma delas. Um dos contrastes mais notáveis é que, enquanto a cultura agrícola é anual, envolvendo alguns meses do ano por safra, a florestal é perene. O fator, por si só, já cria uma série de travas que impactam no investimento tecnológico. As safras, por exemplo, dão um retorno bastante rápido aos produtores, que conseguem avaliar anualmente se o valor aplicado em tecnologia trouxe resultados para o seu negócio, ao contrário do que acontece no âmbito florestal.

Mais uma questão que distingue os dois setores é a tomada de decisões. Na agricultura, elas são simplificadas, considerando que, quando algo não funciona, não representa necessariamente uma perda irreversível. Por outro lado, na silvicultura, o retorno de um investimento só é visto após anos. As escolhas são extremamente complexas, pois podem comprometer um trabalho de décadas e, normalmente, envolvem grandes companhias. Além disso, o ramo envolve diversas burocracias e certificações, que nem sempre são obrigatórias no agronegócio.

Como se esses desafios não fossem o suficiente, ainda há o fato de que, em diversos países, o mercado de silvicultura é muito menor. No Brasil, por exemplo, são 65 milhões de hectares em plantações agrícolas, contra apenas 8 milhões nas fazendas florestais. O número de envolvidos nas produções florestais, consequentemente, é muito menor — são poucas empresas, o que gera um número limitado de concorrentes.

Todos esses aspectos contribuem para que não haja uma cultura forte de tecnologia na silvicultura. Por conta disso, hoje, vemos o setor caminhando a passos lentos para uma automação, enquanto a área agrícola já trabalha com inovações avançadas, em uma realidade cada vez mais digital. Diante desse cenário, que lições a silvicultura pode aprender com a agricultura?

Adaptação para uso de tecnologias

Por conta de todas as características já apontadas, a agricultura recebe tecnologias de maneira muito mais ágil — situação que não deve mudar, considerando que vem de um panorama histórico consolidado. A melhor forma de lidar com essa latência é aproveitando para verificar o que deu certo na área agrícola e o que pode ser replicado. É evidente que, por serem produções diferentes, é preciso ficar atento às adaptações necessárias: identificar quais resultados positivos as tecnologias trouxeram para o campo e avaliar quais deles também seriam alcançados em uma produção para a silvicultura, criando, a partir disso, tecnologias adaptadas que podem ser implementadas neste setor.

Uma das primeiras soluções contemporâneas que passou por esse processo, migrando da área agrícola para a florestal, foi a aplicação de insumos em taxa variável. Embora haja adaptações — como o fato de a primeira utilizar a taxa variável em talhão e a segunda em uma área maior, referente a toda a fazenda —, em ambos os casos se alcançam resultados mais eficientes a partir de uma prática assertiva, sem desperdícios ou falhas. A mesma lição foi levada em consideração em seguida, com a adesão de controladores de pulverização na silvicultura.

Outra tecnologia que chegou à fazenda a partir da influência agrícola foi o piloto automático. Foi possível aprender com o uso nos campos que ele seria capaz de trazer benefícios como a execução das linhas de plantio conforme planejamento, a melhoria do desempenho operacional com o ajuste dos tempos de manobra e até mesmo um controle facilitado dos limites impostos pelas áreas de preservação. Assim, a utilização do piloto automático na silvicultura tem resultado em mais produtividade e sustentabilidade.

O desenvolvimento da telemetria e do uso de salas de controle para monitoramento em tempo real mostra a importância de acompanhar operações no dia a dia — com monitoramento de horas trabalhadas, identificação dos tempos ociosos e gestão da qualidade da operação, por exemplo. No entanto, essas inovações tecnológicas são pouco aplicadas na realidade florestal. Uma lição que a silvicultura precisa aprender, nesse sentido, está relacionada à utilização dos dados. Muitas vezes, a culpa é colocada na conexão (que, de fato, é muito mais precária nas áreas florestais). Entretanto, existem soluções viáveis que poderiam ser utilizadas a partir da escolha de um número limitado de informações para serem transmitidas via satélite; quatro ou cinco fatores, em vez de 100, por exemplo. Uma melhor definição por parte das empresas florestais de quais são os dados realmente importantes para uma tomada de decisão em tempo real poderia viabilizar meios de transmissão que até então são economicamente injustificáveis, fato este bem definido no agro , até em função do tempo curto de cultivo e uma necessidade de uma ação imediata.

Diálogo é necessário

Hoje, o que vemos no contexto florestal são grandes/pequenas empresas de máquinas, de tecnologias, prestadores de serviços e empresas de celulose/madeira sem uma sinergia sobre o real problema da evolução da mecanização da silvicultura. Há mais de 15 anos vemos grandes instituições projetando produtos para o setor florestal que até hoje não saíram do papel. Acredito, inclusive, que esta seja uma das principais lições que a silvicultura ainda precisa aprender com a área agrícola: como desenvolver um diálogo construtivo.

É fato que esse mercado é menos atrativo comercialmente e muito mais complexo. Entretanto, se queremos evoluir — e já temos consciência dos benefícios tecnológicos, que podem ser vistos facilmente com as aplicações na área agrícola —, é preciso tomar iniciativas e enfim buscar soluções conjuntas que transformem o setor florestal.